Sábia espera
- Gabriel Gama
- 8 de abr.
- 2 min de leitura
Atualizado: 9 de jun.
Ontem, fui à praia. Consultar-me aos orixás. Era meio de tarde. Sol a despedir-se.
Quando cheguei, atendi aos pés. Urgentes por caminhos à deriva. Sobrepisando as margens, fui. Minutos à frente, sustei. Pousou sobre meus olhos um presente.
Suspensa na areia, nascida do avesso do mar, como que brotada de lá mesmo. Por debaixo das camadas, uma tartaruga. Pequenina.
Com as patas aterradas, parecia admirar o tempo, algum instante que antecedesse um outro instante já conhecido. A segurança de quem já sabia do porvir. Talvez, por isso, tivesse tanta calma no corpo.
Vencia a pressa das ondas pelo dom da contemplação.
A tartaruga sabia esperar.

Detive-me naquela criatura sem tempo. Invejei a força de seu repouso. Aos vinte e sete completados, carecia daquele devagar. Mirei à espera de um movimento ao menos, como se, assim, pudesse acusá-la de também ser vencida pela velocidade, e parecermos iguais.
Mas a tartaruga permanecia. Ensinava-me pelo silêncio. Tão jovem e já dominava a arte das metafísicas. Incólume a mistérios. Apenas, aterrada à mãe-terra, esvaziada de expectativas.
Vestido das tarefas humanas, segui a tradição religiosa de ressignificar, de meditar as razões daquele encontro simbiótico. A audácia do ego. Como se devesse sempre explicações ao universo, em dívida com o destino, a pensar que era obra, que era sempre obra.
E tudo derramou-se em mim.
Chorei por dentro, pois atinei que éramos iguais, filhos de todo aquele milagre à volta. Presos à liberdade, imersos à experiência de ser.
Quis tocá-la, celebrar a minha racionalidade conclusa, celebrar a minha ressignificância, mas a tartaruga permanecia na economia de esforço. Toda esperada. Aterrada à areia. Umedecida pelo resto das ondas. Imune às minhas especulações.
A tartaruga tinha o dom da sabedoria.
Levantei-me. Joelhos cobertos de grãos. Meditei as últimas gratidões da vida, dos encontros, dos sabores. Despedi-me da criatura em um tímido aceno. E por um momento, juro que por um pequeno momento, tive a certeza de que a tartaruga sorrira.




Comentários