O valor da escuta
- Gabriel Gama
- 8 de jun.
- 2 min de leitura
Escutar é fazer-se em presença na alteridade do outro. E assumir essa posição com inteireza é como um ato revolucionário de sobrepor uma forma de tempo produtivista, utilitarista que estamos constantemente seduzidos a viver. Escutar é nos vestir para encontrar uma outra forma de tempo: o tempo do afeto. E este está para além dos ponteiros que medem os segundos, os minutos, as horas.
Escutar no tempo do afeto envolve a qualidade humana de zelar. Como escreve Antonio Candido: “(...) guardar uma coisa é velar por ela, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela”. E é precisamente este o lugar que a escuta terapêutica está ancorada.
Ao ouvir os modos de existir do outro, cabe a nós guardar a sua singularidade. E fazemos isso para além de uma técnica psicológica que pressupõe uma suspensão de crenças e juízos de valor, mas, sim, naquele vínculo genuinamente humano que se estabelece com o outro, considerando-o, mirando-o, por toda a sua plenitude de ser, como uma pessoa capaz de costurar suas escolhas e tomar consciência de suas travessias.

Escutar o outro fazendo silêncio para que possa caber mais em sua própria vida é convidá-lo para novas possibilidades, para que rastele suas próprias feridas, dê colo para suas emoções, pois, como uma vez me disse uma peregrina: “o espírito da gente é cavalo que escolhe a estrada”.
No exercício da escuta, cabe a nós, psicólogos e terapeutas, acompanhar as errâncias existenciais do outro respeitando suas escolhas, pois a estrada pede para tocarmos em frente mesmo com as dores permanecidas, ainda que precisemos, muitas vezes, mergulhar mais nos vazios do que nos cheios.
Tem um trecho de um livro de um escritor que admiro muito pela sua sensibilidade em humanizar suas personagens. Em “O filho de mil homens”, Valter Hugo Mãe escreve que o amor é uma atitude, uma predisposição natural para se favorecer a alguém, como se fôssemos extensões uns dos outros, filhos de mil mães e mil pais...
É assim que venho me sentindo neste meu princípio de carreira como psicólogo clínico. No encontro terapêutico com o outro, zelar por uma escuta como uma atitude amorosa, presente e predisposta em estar junto.



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