Entre rios e baldos, travessia
- Gabriel Gama
- 8 de jun.
- 2 min de leitura
Cruzar os cantos do sertão, compostos de areais, chapadões, brejos e quilombos, é travessear nos vereados desassossegos da alma. Sua sapiência de chão e seus silêncios carregados de mistério dizem muito mais sobre nós do que podemos imaginar.
No sertão, a gente se descobre pelos olhares baixos ao nos endivinar com a sua vastidão e suas veredas. Lá, o ensinamento serpenteia-se em rios e baldos, onde elaborar dores é como arar o grosso das terras, rastelando as feridas, a dar colo para as tristezas e saudades para, assim, costurar novas travessias.

É o que se faz e o que se mostra da boca de seus caminhantes: o espírito da gente é cavalo que escolhe a estrada.
Tem dias no sertão que não nos cabemos na vida.
Torna-se difícil, pois o pensamento da gente vai se formando mais forte sem querermos. Mas na constante inconstância da vida, os caminhos sempre nos levam a imperfeições, aos pretéritos dos poderias e querias.
O peito geme, mas há que se viver a pele da ausência.
Reescrever histórias a partir de novos nadas: assim é o sertão, assim é a vida. Como diz Rosa: no rasgar-se e remendar-se, no real que não está no início, muito menos no fim, mas se encontra no meio da travessia.
O caminho no sertão nos ensina que é preciso mergulhar mais nos vazios do que nos cheios para encontrar alguma presença mínima no que nos falta. Encontrar minimamente presença no que nos falta...

A estrada nos pede para tocar em frente mesmo com as dores permanecidas, pois só assim atravessamos os mistérios do possível.
Mas como é possível?
Aceitar que somos demasiadamente humanos, vulneráveis às respostas misteriosas do universo, e que tem horas que não sabemos mesmo o que fazer.
À medida que rumava meus pés por horas a fio naquele cerrado margeado de areais e plantações e serras e buritizais e chapadas, ia caçando mais e mais o longe de dentro de mim.
Abraçava-me dos ensinamentos do poeta de chão, Manoelzin de Barros, ao usar das palavras para compor os meus silêncios, mas havia vezes que isso não era possível e o que restava era me satisfazer com as desrespostas. E sigo assim, na tarefa de cuidar das feridas, dando colo aos sentimentos mais indefesos.
Quando somos preenchidos dos mistérios das perguntas e dos anseios, nos cabe ouvir as tristezas escondidas do corpo, dar borda às nossas vozes acriançadas e nunca escutadas.

Nem tudo ocorre como gostaríamos, e lidar com isso é um dos maiores desafios da vida. Tudo que podia ser e não foi, a permanecer apenas nas fantasias. Ainda que saibamos dos tantos redemunhos vividos e a viver, não somos nem seremos ilesos às frustrações que nos doem.
A vida sempre nos trará desequilíbrios para que possamos encontrar um dia o equilíbrio. Sigo aprendendo mais com as imperfeições do que com as perfeições. Ao que nos espera há de nos curar.
Esperar. Lançar. Esperançar.
Que possamos seguir nos descascando nas travessias da vida, dando conta do que nos é possível agora, com entrega e coragem.
Cor. Agem. Agindo com o coração.




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