O vazio é inundado
- Gabriel Gama
- 8 de jun.
- 2 min de leitura
Acordei sobressaltado às cinco da manhã de hoje destinado a escrever.
Há dias que sinto-me percorrido de um inadiável compromisso com as palavras.
É na palavra que lembro das coisas não terminadas nem escapadas. É onde carrego minhas ideias de sentimento. É onde mora a minha vontade de continuar.
E é o que venho por meio deste súbito gesto nascido em uma manhã anil de terça. Partilhar com vocês a urgência de continuarmos.
Nos é preciso guardar a lembrança desta vontade incessante que nos punge de continuar. De continuar sempre.
Apesar de tudo.
São tempos difíceis, mas não percamos as nossas dobras, não percamos as nossas pontas.
Viver é um constante remendar-se no irremediável das coisas.
Que neste tempo, sejamos capazes de descobrir os nossos vazios. Segredos de nossas almas.
Sentir-se vazio? Sentir-se na aridez da solidão?
O vazio está presente em tudo. O vazio é todo inundado.
Mas o vazio é nascido de algo. O vazio está em ti. E ele existe no entre. Nos espaços.
Está presente entre as respirações, as batidas, os gestos, os pensamentos.
O vazio mora em ti. Acolha-o. Entregue-se a ele.
A yoga nos ensina isso. A entregar-se para o vazio. Entre uma respiração e outra, há sempre o vazio morado. Ele nos constitui. Inteiramente.
No vazio, existe o espaço. E é no espaço que reside a mudança. O inócuo entre o silêncio e o ato.

São nos nadas do interior que está guardado tudo que já foi, tudo que nos é e tudo que já nem nos é mais.
Tirar dos vazios os nossos inteiriços. É este o nosso autocompromisso. E, olha, há tanta coisa por tirar.
Pense neste tempo como um desafio. Percorrer-se por dentro de seu corpo. Um gesto consciente, mesmo que este navegar seja despreciso.
Mas navegue.
Navegue.
Navegue.
Navegue.
Navegue.
Desmareie.
Desmareie este sertão de solidão que há em você.
Entremeie-se nos ramos de sua alma, em seus silêncios mais recônditos. E lembre-se. Nesta travessia, temos a escolha de não nos afogar.
É como diz Sri Ravi Shankar:
"A chuva é o destino.
A possibilidade de se molhar ou não é sua".
Você tem a escolha de encarar este momento como uma linda travessia. Ou não.
Nela, o desafio continuará existindo. Não há como fugir dele. É inexorável de sua existência. Mas a escolha de não se deixar afogar existe. Ela sempre existirá.
Terão vários momentos de nos sentirmos à deriva, em que tudo parecerá maior, mas abrace este sertão de solidão que há em você.
Seja o que há de melhor nesta brevidade da vida.
Hoje é o coronavírus, amanhã será outra coisa.
Você sabe, a crise é sempre uma possibilidade. É sempre algo a começar, mas também algo a terminar.
No final de tudo, o que estamos lidando é com a impermanência. Seja o que há de melhor nesta impermanência. Signifique a sua existência. Nas suas ações, palavras, afetos, com você e com o outro. É tempo de exercitarmos o autocuidado e a empatia.
Viver, afinal, é ser o que já nem somos mais a cada instante.
Abrace este sertão de solidão e seja maior.
Carecemos sempre de coragem, como diz Rosa. Carecemos de muita coragem neste momento. Para não nos perdermos de nós mesmos.
Para não desistirmos.
Para não (des)existirmos.




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